terça-feira, 20 de março de 2012

Quaresma

Naquele dia, em especial, o lobisomem estava rondando a esmo por uma rodovia no Brasil, que estava cercada por mata. Como toda rodovia, sempre havia algum lugar para um caminhoneiro parar, e fazer uma refeição. O único aspecto negativo era esta lanchonete ficar mais afastada que o normal da rodovia. Era até frequentada durante o dia, mas a noite, era como se ficasse escondida. Ela era do tipo, posto de gasolina e loja de conveniência, mas também havia espaço ali para fazerem refeições.

Só haviam três pessoas trabalhando ali: Daniele,  João e Miguel. Daniele era uma mulher bonita, com belos cabelos escuros lisos. Era a garçonete. João, era o cozinheiro. Era ligeiramente gordo, pois gostava de experimentar suas receitas ele mesmo. Por fim, Miguel, era o dono do lugar, mas também servia como garçom.

O movimento do caixa estava muito ruim nessa época do ano, não só pela má localização do estabelecimento, mas devido também ao período posterior ao do carnaval. Então eles resolvem cada um cuidar de uma coisa. João estava lavando a louça (que não era pouca), e estava sendo ajudado por Daniele, enquanto ouviam a televisão ligada. Miguel estava sentado numa das cadeiras, lendo um jornal, cuja matéria dizia:

"É no período que abrange a quarta-feira de cinzas e a Páscoa, conhecido como Quaresma, que o Lobisomem se transforma e domina as madrugadas, diz a lenda."

De repente a luz acaba. Tudo ali ficou em breu total, a não ser pelo brilho prateado da Lua cheia.
_Droga! _ praguejou Miguel.
_Deve ser problema do disjuntor _ Disse João _ pode deixar que eu vou ver

Os disjuntores ficavam do lado de fora do estabelecimento. João seguiu pelo corredor, com a luz da lanterna do celular, sem perceber os olhos amarelos que o seguiam pelo lado de fora, através do vidro. Ele foi até o ultimo cômodo, onde ficava o estoque. No teto podiam ser vistos os cabos por onde passavam a energia. Lá ficava a ultima porta, que dava para o matagal atrás da loja. Segundo ele, era a porta mais inútil que havia ali. nunca era usada a não em momentos como esse, quando acabava a luz.

A caixa dos disjuntores ficava na parede no lado fora, atrás do cômodo onde ficava o estoque. Ele ligou e desligou-os, mas nada de acender alguma luz.

_Ora essa _ praguejou _ será que o problema é nos cabos?

A luz da Lua não atingia aquele lado. Ele iluminou a parte de cima, acompanhando os cabos, até a abertura no alto da parede que os levavam para dentro do estabelecimento. Visualmente nada errado. Então iluminou a parte debaixo da caixa onde ficavam os disjuntores e... ahá! Os cabos estavam cortados. Eram três cortes paralelos. O mato atrás dele se mexeu. Ele virou instintivamente para ver o que era. "Deve ser um animal, na certa", pensou ele. "Eu não vou perder meu tempo aqui", pensou ele com desdém.

Então ele fez menção de entrar de volta, chegou até a se virar, mas algo assustador aconteceu. Alguém, o alguma coisa o pegou por trás. Sua boca foi tampada por uma mão muito forte. Mas não uma mão qualquer, era uma musculosa, peluda, como se fosse uma pata. Seu tronco foi segurado com força. O hálito da criatura em seu pescoço cheirava a algo parecido com carniça, e pela respiração, estava meio ofegante. João tentou se debater para fugir, mas a cada esforço esse estranho fazia o dobro de força, e a cada tentativa rosnava. Sua garganta foi cortada, de modo que quando tentou gritar por socorro, sua voz mais parecia um ruído rouco, por que fora cortada por onde o ar passava. Portanto ninguém o ouviu.

Seu coração começou a bater de desespero, por que sentia o ar saindo de seus pulmões, pela abertura na garganta, a dor do ferimento era intensa, como se fosse ferro em brasa atravessando sua carne, o sangue jorrando sem parar pela artéria rompida. Foi jogado com força de costas no chão, e última coisa que viu em vida, foi uma bocarra cheia de dentes engolindo seu rosto.

_ Acho melhor irmos embora _ disse Daniele, logo em seguida de João ter saído_ Me dá uma carona até o ponto de ônibus, chefe?

_Claro _ disse Miguel _ o movimento tá ruim mesmo.

Pegaram suas coisas e foram para o estacionamento. Daniele jogou sua bolsa de camurça preta no banco de trás pela janela semi aberta.  Ela tentou abrir a porta do passageiro, Mas só um detalhe: o carro estava trancado. Daniele olhou-o de esguelha para ele repreendendo-o

_Er... _disse ele encabulado, batendo em seu bolsos_ é mesmo. Acho que deve ter ficado lá dentro.
Ao dizer se virou automaticamente para entrar na loja. _Vou aproveitar e ver por quê o João está demorando. Já devia ter acendido as luzes.
_Tudo bem, eu espero

Apesar de estar escuro, a luz refletida pela Lua iluminava o ambiente. Daniele ainda pôde ver a silhueta de Miguel entrando no estabelecimento. Nesse mesmo instante, quase simultaneamente, ela percebe um vulto se movendo pelo matagal. Pôde discernir braços, e um tronco. Era bem musculoso. Era um homem? Sim. Não, espere: seres humanos não têm pelos em excesso. Nem orelhas pontudas. Ela ficou em choque. Reconheceu de imediato que era um lobisomem, mas ficou estática. Seu coração começou a pulsar loucamente no mesmo instante. Não houve tempo de avisar Miguel. Já devia estar lá dentro da sala do estoque. Quanto havia se passado? Dois minutos? Cinco? Dez?. Não importa. O fato é que ficou por tanto tempo ali parada que sentiu que era tarde. Num impulso, ela entrou correndo atrás dos amigos. Mas não teve sorte. Ainda pôde olhar nos olhos da criatura por alguns instantes, antes da sair em disparada, com a besta em seu encalço.

_João?! _ Gritou Miguel
Silencio
De fato ele já estava dentro da sala do estoque iluminando tudo com a luz do celular. A porta estava semi aberta. Conseguiu ver  membros gordos de João de relance. Estava deitado. O que era aquela coisa escura se movendo pelo chão? Sangue. O sangue estava saindo do corpo caído de João. Miguel irrompeu pela porta, abrindo-a com estardalhaço. Mas qual não foi a sua surpresa ao ver aquela criatura em cima dele. Um cachorro? Parecia um cachorro pela estrutura do corpo e das patas traseiras. Mas as da frente não eram patas, eram... braços... com garras.

Estava devorando as carne em volta do pescoço de João. Ao ouvir a porta batendo, o monstro olhou instintivamente para a fonte do barulho. Seus olhos eram amarelos, seu dentes eram grandes expostos, de modo que não cabiam na boca. Seus pelos eram negros, o que o ajudava a se camuflar na penumbra.

O monstro se levantou, ficando sobre as patas traseiras. Ooops! Não era um cão afinal. Miguel ficou paralisado de pavor ao ver que a lenda dos lobisomens era verdadeira. Os instintos de sobrevivência de Miguel falaram mais alto, então saiu correndo para dentro de novo. Mas mal deu dois passos para dentro, o lobisomem já o havia dado o bote por trás, cravando suas garras nas costa de Miguel, derrubado enfiando seus dentes pontiagudos no crânio de Miguel. E ele era pesado demais, e sua mordida, muito potente. Sua morte foi instantânea.


Os instintos do lobisomem o alertaram que havia mais alguém ali, atrás dele. Ele se virou e viu o terror estampado no olhos de uma mulher. Olhar esse, que já estava acostumado a ver.

Daniele então fugiu, correndo como nunca correu em sua vida. Aos trancos e barrancos ela saiu derrubando tudo até atingir a porta de vidro da frente, que ainda estava aberta. O lobisomem saiu atrás dela galopando. Decidiu embosca-la; enquanto ela passava pela porta da frente, ele pulou pela janela de vidro.

Os dois já do lado de fora, ele se colocou de pé na frente dela. Ele gritou e ela parou. A besta mostrou suas garras. e a golpeou na cabeça. Não a matou, mas a nocauteou. Ele pegou o corpo inerte da mulher, e a levou para trás, para estupra-la e depois mata-la.

Seus corpos foram achados muito tempo depois, ou melhor, partes deles. Os caminhoneiros que passavam ali estranharam, e depois reparam no cheiro de putrefação no ar. Cada tipo de animal exala um tipo diferente de cheiro quando morre, e esse cheiro era com certeza, carniça humana. A policia chegou, e seus corpos foram identificados através de exame de DNA, impressões digitais, e arcada dentária. O "crime" nunca foi esclarecido.

FIM